sábado, 27 de março de 2010

Acarajé e Toddynho

Saio do trabalho por volta das seis e vou com os amigos comer um acarajezinho lá na baiana da Torre. Como sempre, uma delícia. Mesmo assim eu só comi um, por causa da esofagite. Coisa de quem passa dos trinta.

Depois do acarajé fui direto pra casa. Ao abrir a geladeira pra tomar uma agüinha, dei de cara com um Toddynho geladinho e não resisti: tomei em menos de dez segundos. Fui pro quarto, liguei o computador, e o gosto do chocolate não saía da cabeça (ou melhor, da boca). Voltei à geladeira, olhei demoradamente pro segundo Toddynho, pensei um pouco - não vai ter problema não - e glupt! Tomei o danado. Voltei pro quarto. Como o gosto do chocolate é persistente! Fui de novo à geladeira. Abri a porta... apareci... o terceiro Toddynho sorriu pra mim. Eu não vou sair de casa mesmo! E tomei o danado.

Com um acarajé e 600 ml de Toddynho no bucho, comecei a trabalhar. Uma hora depois, lá vem a patroa dizer que "amanhã a faxineira vem". Fazer o quê? Tinha que ir buscar o dinheiro. Lá vou eu ao caixa eletrônico do Shopping. Na hora em que passei o cartão no reguinho (do caixa eletrônico, claro) já senti um "brrrrrlll" na barriga. Foi o dinheiro saindo e eu sentindo que alguma coisa dentro de mim estava pra sair também. Rapidamente entreguei tudo o que tinha e saí em disparada na direção do WC.

Mas não deu tempo de chegar lá. A dez metros da entrada senti sair a primeira molécula. E quando sai a primeira molécula não há mais o que fazer, é como um vulcão que entra em erupção: explosivo, incontrolável, devastador! Depois disso o que nos resta é confiar no elástico da cueca e deixar a lava correr solta.

(Continua assim que eu me refizer do trauma)

(Versão original publicada no antigo site de A Crônica do Dia, em 27/03/2000)

quinta-feira, 25 de março de 2010

As duzentas chaves de seu Antônio

Eu estava trabalhando desde as seis da noite e a previsão era de entrar pela madrugada. Lá pelas nove, com fome, resolvi sair pra fazer um lanchinho. Fui a pé mesmo, pois a lanchonete ficava a uns 500 metros do trabalho. Dava pra ir e voltar tranqüilo - pelo menos foi o que pensei. Na volta, porém, a coisa apertou e eu tive que apressar o passo (pra ser sincero, quando faltavam uns 100 metros eu não agüentei mais e comecei a correr). Ao chegar, encontrei o portão fechado de cadeado e seu Antônio, o vigilante, falando no telefone.

— Seu Antônio, abra aqui por favor!

— Já estou indo!

— Venha logo, que eu tô apertado!

— Já vou! Já vou! Calma!

E lá vem seu Antônio, com um chaveiro que devia ter umas duzentas chaves.

— Abra logo, seu Antônio, que eu não estou agüentando mais! Preciso ir ao banheiro! É urgente!

— Calma, que eu tô procurando a chave!

— Por que o senhor fechou o portão de cadeado? Eu só fui na esquina lanchar!

— Ah, meu filho, são ordis. Num posso deixar aberto não.

— Mas é pra manter fechado só depois da meia-noite, seu Antônio! Ainda são dez horas!

— Eu não tenho relógio, meu filho. Como é que eu vou saber?

— Sei lá, seu Antônio! Agora abre esse portão pelamordedeus senão vai ser aqui mesmo!

— Ai, meu Deus! E eu que não acho a chave certa!

Ele já tinha tentado pelo menos umas quinze, e nada. E o meu desespero aumentando.

— Arrombe esse cadeado, seu Antônio!

— Você tá doido? Aí eu perco o emprego!

— Então vá logo, por Nossa Senhora do Rosário!

— Num me avexe não, meu filho, que é pior! Eu nervoso aí é que num acho a chave mesmo!

A essas alturas, eu já tinha ficado num pé e noutro, pulado, mordido a língua, cravado as unhas na palma da mão, e seu Antônio nada!

— Veja o nome do cadeado, seu Antônio! Aí o senhor procura uma chave que tenha o mesmo nome!

— Aí danou-se! Eu num sei ler!

— Agora lascou! Avie, seu Antônio, que o urubu já tá beliscando a cueca!

— Urubu? Que urubu?

— Nada não, seu Antônio, mas vá logo pelo amor que o senhor tem aos seus filhos!

— Oxente! E quem disse que eu tenho filho?

— Esquece, seu Antônio! Esquece! Não é nada não. Mas por favor abre esse portão senão eu cago nas calças!

— Ai, meu Deus! Eu tô tentando! Meu filho, é melhor você pular o muro que eu não consigo achar essa danada dessa chave não!

E eu olhei pro muro, um murão alto danado, que naquela altura dos acontecimentos mais parecia a muralha da China. Foi me dando um arrepio, uma dor fina na barriga, as pernas foram ficando bambas, e eu já imaginando como ia fazer pra pular aquele muro. Até que seu Antônio, finalmente, gritou:

— Pronto, meu filho! Consegui! Graças a Deus!

Mas eu permaneci parado no mesmo canto, de olhar fixo na parte mais alta do muro, sem responder. E pude sentir a esperança indo embora, saindo de mansinho e deixando para trás um enorme peso na cueca.

— Vá, meu filho, corra! Você não tava com pressa?

— Tava, seu Antônio. Tava. Agora não adianta mais não.

(Versão original publicada no antigo site de A Crônica do Dia, em 21/08/2000)